Crise econômica na Rússia gera conflitos internos e pode despertar a ira de Putin
Aumento da inflação no país indica que as medidas punitivas estão surtindo efeito, prejudicando o estímulo na economia gerado pelos gastos bélicos massivos do Kremlin durante a guerra.
Coluna Olhar Mundial • 10/12/2024 às 13:00.
Carlos André • Portal Hora da Notícia Internacional.
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A economia de guerra da Rússia, que foi acelerada ao limite, está perdendo força, gerando tensões entre as elites econômicas do país à medida que o conflito contra a Ucrânia se aproxima de seu quarto ano. Muitas indústrias civis russas pararam de crescer e, de acordo com os dados oficiais mais recentes, algumas começaram a declinar em outubro. A moeda do país, o rublo, atingiu na semana retrasada seu nível mais baixo em dois anos, e as empresas relatam dificuldades para obter novos empréstimos ou receber pagamentos de clientes.
Em outubro, o banco central elevou drasticamente a taxa de juros de referência para 21%, maior índice desde o fim da União Soviética, em uma tentativa de conter a inflação. No mês passado, a instituição também reduziu sua previsão de crescimento econômico da Rússia no próximo ano para 0,5 a 1,5%, em comparação aos 3,5 ou 4% deste ano. A desaceleração ocorre mesmo com o governo injetando quantias recordes de dinheiro na economia para financiar a guerra.
A combinação de alta dos preços e redução da atividade econômica levou alguns economistas e autoridades a alertar que a economia russa caminha para uma estagflação, cenário difícil em que os preços sobem muito depressa sem crescimento econômico.
Durante os últimos três anos, como uma maneira de punir o presidente Vladimir Putin por sua invasão da Ucrânia, nações ocidentais impuseram à Rússia algumas das sanções econômicas mais severas da história moderna. Segundo os economistas, a desaceleração do crescimento e o aumento da inflação na Rússia indicam que as medidas punitivas estão surtindo efeito, prejudicando o estímulo na economia gerado pelos gastos bélicos massivos do Kremlin durante a guerra.
As empresas civis têm sido particularmente afetadas. A companhia Ferrovias Russas, maior empregadora do país, que transporta a maior parte das mercadorias e dos passageiros da nação, relatou que o volume de cargas caiu quase 9% em outubro em comparação com o mesmo período do ano passado. Para compensar a queda na procura, a empresa está aumentando os preços em mais de 10% este mês e reduzindo em um terço os investimentos previstos para 2025.
Mesmo assim, os dados indicam que as tensões econômicas ainda estão longe de provocar uma crise que poderia forçar Putin a moderar suas ambições na Ucrânia.
A vítima mais imediata da recessão recente poderá ser o banco central da Rússia, possivelmente a última entidade estatal do país que operou com certa independência do Kremlin. As tensões entre industriais russos e a instituição sobre o custo dos empréstimos estão aumentando, o que pode trazer consequências de longo alcance, incluindo o tipo de economia que a Rússia herdará depois da guerra.
Esses desacordos surgiram em discursos públicos e relatórios econômicos, parte de um jogo delicado para evitar responsabilizar a guerra pela desaceleração, o que poderia provocar a ira de Putin. Em vez disso, as elites econômicas russas têm atribuído a culpa às decisões políticas técnicas, e umas às outras, expondo as tensões por trás da fachada de unidade em tempo de guerra.
Industriais e aliados do governo têm direcionado suas críticas à diretora do banco central, Elvira Nabiullina, acusando-a de sufocar a economia com taxas de juros recordes. Ela defendeu energicamente sua política de choque monetário, argumentando que é necessária para reduzir pela metade a inflação anual de 9% no próximo ano e garantir a estabilidade econômica em longo prazo.
“Está claro que, se você é um empresário na Rússia que não produz, digamos, mísseis balísticos, sua situação está ruim. Mas, como não pode combater a causa raiz, você luta contra os sintomas”, observou Alexander Kolyandr, especialista em economia russa do Centro de Análise de Políticas Europeias.
Durante anos, Putin concedeu a Nabiullina um nível incomum de autonomia para manter a economia russa estável. Mas, à medida que as pressões econômicas da guerra se intensificam, suas táticas estão sendo criticadas por um coro expressivo de industriais, associações empresariais e economistas próximos do governo. Até mesmo Mikhail Mishustin, primeiro-ministro da Rússia e principal executor das políticas econômicas de Putin, criticou de forma incomum o banco central em novembro, culpando as taxas altas de juros pela queda nos investimentos.
Economistas de uma organização de pesquisa sediada em Moscou também engrossaram as críticas: “Em decorrência das ações do banco central, a economia russa está praticamente enfrentando a ameaça da estagflação”, escreveu o Centro de Análise Macroeconômica e Previsões de Curto Prazo em um relatório divulgado em novembro, acrescentando que quase metade das empresas russas atualmente afirma que as dificuldades para a obtenção de empréstimos estão restringindo seu crescimento.
A linguagem contundente do documento causou alvoroço entre as elites russas, porque o grupo é liderado por Dmitri Belousov, irmão de Andrey Belousov, poderoso ministro da Defesa e ex-conselheiro econômico de longa data de Putin. Alguns interpretaram o relatório como um sinal de que o apoio de Putin a Nabiullina está diminuindo.
Outro ataque partiu da União Russa de Industriais e Empresários (RSPP, em russo), associação pró-governo de grandes empresas. Esta declarou que 36% de seus membros relataram não ter conseguido receber os pagamentos de seus clientes durante o terceiro trimestre deste ano, aumento de 14 pontos percentuais em comparação com o ano passado, atribuindo isso às taxas de juros elevadas.
Depois, em um relatório interno vazado para a imprensa russa, a RSPP fez um pedido incomum ao banco central: que coordenasse sua política monetária com o governo, ataque direto à independência da instituição. Desde então, a RSPP se distanciou do documento, mas o vazamento levou Nabiullina a defender sua política em um discurso contundente no parlamento russo para legisladores em novembro, sugerindo que há pouco espaço para mais crescimento: “Hoje, pela primeira vez nos encontramos numa situação em que praticamente todos os recursos da economia estão sendo usados. Os apelos para adiar a redução da inflação se baseiam no argumento de que, no momento, a estabilidade microeconômica é menos importante e pode ser sacrificada em favor de um salto econômico forçado. Estou convencida de que é exatamente o oposto: agora, devemos valorizar a estabilidade mais do que nunca.”
Os relatórios do banco central apresentam um cenário econômico cada vez mais pessimista. O valor dos pagamentos recebidos pelas empresas, indicador da atividade econômica, caiu 2,9% em outubro em relação à média dos três meses anteriores, de acordo com o banco central. A desaceleração foi especialmente acentuada nos setores sem ligação direta com o exército, a educação, a construção civil e a produção de petróleo e gás. “Só os setores relacionados à guerra crescem em um ritmo significativo”, afirmou Kolyandr. Os sinais de alerta também se espalham para outras áreas.
As novas sanções impostas pelos Estados Unidos aos bancos russos em novembro contribuíram para uma forte queda no valor do rublo. Em 29 de novembro, a moeda caiu para 109 por dólar, nível mais baixo desde março de 2022. A desvalorização do rublo significa que as empresas do país precisam pagar mais por produtos estrangeiros, aumentando a inflação e comprometendo a eficácia da política de choque das taxas de juros promovida por Nabiullina, explicou Alexandra Prokopenko, pesquisadora do Centro Carnegie Rússia Eurásia, em Berlim, e ex-funcionária do banco central russo.
Mas os economistas afirmam que a economia russa não entrará em colapso em um futuro próximo. Os salários ainda superam a inflação, elevando o padrão de vida da população e reduzindo os impactos da desaceleração econômica, segundo o Centro de Análise e Estratégias na Europa (Case, em inglês), grupo de economistas russos de oposição sediado em Chipre. Os salários corrigidos pela inflação na Rússia cresceram quase 18% desde o início da guerra, revertendo um declínio de sete anos, apontaram os economistas em um relatório recente.
A inflação, embora persistente, ainda está em um dígito, e o Kremlin tem muitos meios para continuar financiando a guerra, segundo os economistas do Case. O governo russo está aumentando os impostos sobre empresas e indivíduos ricos e recorrendo ao seu fundo soberano. E, em razão do nível baixo de endividamento público – cerca de 18% do PIB –, o governo tem margem para continuar obtendo empréstimos de bancos russos.
Prokopenko afirmou que a batalha sobre as taxas de juros russas destaca as tensões econômicas a longo prazo. A guerra do Kremlin, aparentemente interminável, persuadiu as elites empresariais russas a priorizar ganhos a curto prazo em uma economia superaquecida, em vez de investir a longo prazo. A pressão crescente por crédito barato agora ameaça desmantelar um sistema de controles e contrapesos econômicos que manteve a economia russa estável durante a maior parte do governo de Putin, acrescentou ela. “Se uma nação em guerra não pode oferecer ao seu povo a perspectiva de um futuro promissor, faz sentido explorar as oportunidades ao máximo. Essa chance pode não existir depois.”
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