Em entrevista exclusiva ao HDN, o jornalista Leandro Stoliar diz: 'O que nós repórteres nunca podemos esquecer nesse tipo de cobertura é que não somos heróis. Nossa missão é sobreviver para noticiar."

Leandro Stoliar chegou há poucos dias no Brasil, após 18 dias de cobertura no leste europeu. Ele concede a sua primeira entrevista, após a cobertura da Guerra, ao HDN.

O jornalista falou que se emocionou, pela primeira vez, em 22 anos de carreira. (Foto: Reprodução/ Instagram).

Entrevista | Por Carlos André Mamedes da Silva, do Portal Hora da Notícia.
10/03/2022 - 10:50.

A equipe do Hora da Notícia conseguiu uma entrevista exclusiva com o jornalista Leandro Stoliar, que foi um dos rostos principais da cobertura do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, no leste europeu. O jornalista já chegou ao Brasil e aceitou conversar com a nossa equipe e concede a sua primeira entrevista ao HDN.

Leia, na íntegra, o nosso bate-papo exclusivo, que foi bem interessante.

1. Você e o cinegrafista Luís Felipe Silveira viajaram para a Ucrânia e você relatou as dificuldades, você pensou que não chegaria ao país?

Fiquei preocupado quando nosso voo passou a ser escoltado por um caça logo depois que saímos de Amsterdam em direção à Kiev. Não houve ameaça de ataque, mas havia um clima de tensão antes da guerra e esse tipo de ação não é comum acontecer.

2. Qual foi a principal dificuldade que você encontrou na Ucrânia?

Há muitas dificuldades na cobertura dessa guerra. O frio, o idioma diferente, as informações desencontradas... Mas principalmente a escassez de tudo. Até o deslocamento entre as cidades era difícil, já que havia milhares de pessoas tentando fugir do país. Faltava combustível, passagens de trem e os aeroportos estão sendo atacados. Quando voltamos para Kiev, no dia da invasão russa, os funcionários do nosso hotel haviam fugido e nos deixaram na rua em meio aos bombardeios russos.

3. Como foi fazer uma cobertura tão difícil como essa, correndo riscos a todo momento?

O perigo faz parte da cobertura de guerra. Você nunca sabe o que vai acontecer, mas precisa a todo momento tentar minimizar os riscos. O que nós repórteres nunca podemos esquecer nesse tipo de cobertura é que não somos heróis. Nossa missão é sobreviver para noticiar.

4. Qual foi a forma que você encontrou para falar com a sua família?

Nos falávamos à noite pela internet. Enviava apenas informações objetivas sobre minha segurança para que não ficassem ainda mais preocupados comigo. As vezes, isso atrapalha quem está na linha de frente e eu não podia perder o foco. Uma distração na guerra pode custar sua vida.

5. Quais lições você tirou da cobertura?

Há duas lições jornalísticas importantes na cobertura de uma guerra:

A principal lição é que as histórias das pessoas são mais importantes do que as bombas.

A segunda lição é que na guerra os dois lados tem interesse em controlar as notícias. Isso pode definir o resultado do conflito e como cada um vai ser visto depois dos combates. Por isso, é preciso ter muito cuidado com contra-informação. O repórter precisa ser incansável na busca pela informação sob pena de contribuir, mesmo sem querer, com o lado errado.

6. Como foi receber o convite da Record TV para fazer a cobertura?

É uma honra para qualquer repórter ser enviado para cobrir uma guerra e comigo não foi diferente. Isso representa respeito e confiança no meu trabalho. Eu e o Luis Felipe (cinegrafista), fomos os primeiros jornalistas brasileiros a chegar na Ucrânia, 12 dias antes da guerra. A única equipe que noticiou como os ucranianos se preparavam para a guerra nas cidades, que depois, viraram os principais alvos dos bombardeios russos.

Naquele momento, não éramos apenas os olhos da emissora no país. Éramos os olhos do Brasil.

7. Qual era o clima dos moradores que você pôde conversar?

Os ucranianos estão acostumados com a guerra. Há 8 anos, o exército da Ucrânia enfrenta uma disputa sangrenta com os grupos separatistas pró-Rússia em Donbas, nas regiões de Donetsk e Luhansk. Antes da invasão russa, já havia vários vilarejos desertos nessas localidades. Estivemos lá...

Isso significa que, para eles, esse seria apenas mais um ataque comandado pela Rússia. A maioria da população não acreditava numa guerra dessa proporção. Por isso, os ucranianos tentavam levar uma vida normal dentro do possível. Quando o clima de tensão aumentou, uma parte do povo passou a se preparar para ajudar o país a se defender. Ainda assim, a invasão russa pegou muita gente de surpresa.

8. Você chegou a se emocionar durante a cobertura? Você acha que a saúde mental fica abalada, após uma cobertura como essa?

Pela primeira vez em 22 anos como repórter eu me emocionei durante uma entrada ao vivo. Nós convivemos com os ucranianos e vimos de perto a mudança na vida deles durante a guerra. É muito difícil não se emocionar. As vezes, para contar a história com a emoção certa, é preciso se colocar no lugar do outro. É preciso sentir.

Eu não sei ainda se minha saúde mental ficou abalada. Isso pode levar tempo para descobrir... Mas o repórter que sai desse tipo de cobertura e não reflete sozinho sobre essas histórias, não cobriu a guerra.

9. Você acha que essa foi a sua cobertura mais difícil em sua carreira?

Sem dúvida ter sido preso na Venezuela em 2017 foi muito marcante pra mim, mas ver de perto os horrores de uma guerra e ter que filtrar as informações em tempo real foi um desafio e tanto. Não há nada mais difícil para um jornalista do que cobrir uma guerra e noticiar a morte de centenas de inocentes. Quando você está sob ataque de mísseis e bombas, passa um filme na cabeça. É difícil explicar essa sensação.

10. Quanto tempo você levou para chegar à Polônia?

Viajamos no corredor de um trem lotado de refugiados durante 24 horas. Foi assim que conseguimos mostrar em primeira mão o drama das famílias ucranianas que fogem da guerra.

11. Qual foi a sensação de voltar ao Brasil, depois de quase 20 dias de cobertura na Ucrânia e na Polônia?

A sensação é de alívio por estar em casa, mas confesso que queria ter ficado mais. É muito importante mostrar ao mundo o que acontece na Ucrânia e apesar do cansaço, não me vejo em outro lugar nesse momento.

12. E, por fim, o que você espera que aconteça daqui pra frente?

Eu espero que a guerra termine logo. Não existe justificativa para matar... São pessoas inocentes no meio dos bombardeios, vidas sendo destruídas, famílias sendo separadas, cidades lindas e históricas sendo dizimadas... E nenhum argumento plausível pra isso.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Record anuncia a transmissão dos Jogos Pan-Americanos E-Sports Games Rio 2024.

TV Globo 60 Anos: Globo Repórter.

Show de Luan Santana em MG é cancelado após cantor ter mal súbito, diz organização.